Poluir o céu também dá multa: a nova era da responsabilidade climática no campo
Poluir o céu também dá multa: a nova era da responsabilidade climática no campo
Em julho de 2024, o Brasil assistiu ao que pode ser considerado um divisor de águas na proteção ambiental e climática. A Justiça Federal bloqueou R$ 292 milhões em bens de um pecuarista da Amazônia acusado de desmatar e queimar mais de cinco mil hectares de floresta. Até aí, algo já esperado diante das leis ambientais em vigor. O que chamou a atenção, e fez desse caso um marco jurídico, foi o motivo do valor tão alto: a fumaça da queimada também entrou na conta.
A Advocacia-Geral da União (AGU), ao processar o infrator, não pediu apenas indenização pelas árvores destruídas. Ela incluiu no cálculo o volume de gases de efeito estufa lançado na atmosfera, com base técnica da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que atribui valor monetário ao carbono. Assim, o que antes era apenas “fumaça no ar” virou um prejuízo jurídico e financeiro concreto.
Essa decisão inovadora reconheceu que clima e meio ambiente são bens distintos. Em outras palavras: não basta restaurar a floresta destruída. O dano causado à atmosfera e ao equilíbrio climático também precisa ser reparado. A Justiça exigiu do réu a apresentação de um plano de compensação, que deve incluir medidas concretas de absorção de carbono, como a recomposição florestal com função climática.
Com base nesse novo paradigma, é possível propor — como defende este autor — que o uso de créditos de carbono certificados possa ser admitido como forma parcial ou alternativa de reparação. Isso abriria caminho para um modelo em que o responsável pela poluição atmosférica possa neutralizar seus impactos por meio de investimentos em projetos reconhecidos de captura de carbono. Essa interpretação, embora ainda não aplicada diretamente pela decisão judicial mencionada, está em harmonia com os princípios do poluidor-pagador e da efetividade na reparação ambiental.
1. Um Novo Marco Jurídico: Quando a Fumaça Também Vira Multa
A responsabilização do produtor rural por danos ambientais oriundos de queimadas tem base sólida no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, garante o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.
Nos últimos anos, a responsabilização ambiental concentrou-se nos efeitos locais da degradação. No entanto, com o reconhecimento da fumaça como elemento autônomo de dano, o foco também se volta para os impactos atmosféricos globais das queimadas. A decisão da 7ª Vara Federal do Amazonas simboliza essa virada de chave. O cálculo das emissões de gases e a conversão desse dado em valor indenizatório elevam o patamar da discussão jurídica.
O princípio do poluidor-pagador se materializa de forma direta: quem gera poluição climática deve arcar com os custos de sua neutralização. A fumaça agora deixa rastros legais, e pode ser cobrada judicialmente com base em dados objetivos e mensuráveis.
2. Impactos para o Agronegócio: Riscos Jurídicos e Novas Exigências ao Produtor Rural
Essa decisão não é um caso isolado. Ela pode sinalizar o início de uma nova fase da responsabilização ambiental no Brasil. O produtor rural, diante desse novo cenário, precisa se atentar não apenas à legalidade do uso do fogo, mas também aos efeitos climáticos que esse uso pode gerar. A queimada que emite fumaça ultrapassa os limites da propriedade e passa a afetar um bem coletivo: a atmosfera.
Com isso, o risco jurídico deixa de ser apenas ambiental e se torna também econômico. As multas passam a incluir o valor do carbono emitido, o que pode representar perdas significativas. Práticas antes consideradas aceitáveis sob o ponto de vista produtivo agora ganham contornos de infração climática.
Nesse contexto, este artigo propõe que o uso de créditos de carbono regulados e certificados possa ser reconhecido como forma de compensação judicial, em consonância com os princípios da reparação integral e da responsabilidade objetiva. Além de reduzir o passivo ambiental, esse caminho permite integrar o agronegócio à nova economia verde, convertendo sanções em medidas efetivas de regeneração.
Conclusão
O reconhecimento, pela Justiça Federal, de que as emissões atmosféricas oriundas de queimadas representam um dano climático autônomo marca um novo capítulo no Direito Ambiental brasileiro. Ao atribuir valor econômico à fumaça lançada no ar, e não apenas à área desmatada, o Judiciário amplia o alcance da responsabilidade ambiental e aponta para um futuro em que a tutela do clima deixa de ser apenas discurso e passa a gerar consequências concretas.
Esse precedente sinaliza que o clima é um bem jurídico com proteção autônoma. A proposta aqui apresentada, de permitir a compensação via créditos de carbono certificados, busca compatibilizar responsabilidade e inovação, sanção e solução.
A fumaça que antes desaparecia no ar agora deixa marcas jurídicas e patrimoniais. Para o produtor rural, isso significa que poluir o ar não é mais um dano invisível. É um custo. E pode, sim, custar caro.
Por Dr. Adriano Bedran - Advogado referência em Direito Fundiário, Agrário e Empresarial. Sócio fundador do Bedran Advogados, com escritório sede em Brasília-DF.